24.2.07

Fatalidade é o Deus de Babel

É meio discutível a mensagem que o filme Babel procura transmitir. A sucessão de tragédias nos quatro cantos do mundo, todas relacionadas, resulta de mera fatalidade. Ninguém é mau; é como se o mal tivesse existência própria e os seres humanos fossem seus propagadores involuntários. O gentil chinês que dá a arma a um guia, na África, o faz por amizade e gratidão; este, que vende a arma ao pai dos meninos, também é um bom homem, segundo o próprio chinês. O pai dos meninos, um honesto pastor de cabras no Marrocos, entrega a arma aos filhos, cujas idades não somam mais de 16 anos, para que matem os daninhos chacais; quando eles disparam contra um ônibus de turistas, atingindo uma norte-americana, só queriam testar o alcance das balas. A babá dos filhos dessa mulher só os leva ao México ilegalmente para poder assistir ao casamento do filho, e o sobrinho dela abandona as crianças no deserto da fronteira por medo da polícia norte-americana truculenta e racista. Talvez seja essa a causa da sensação que nos acomete, ao cabo do filme, de que falta alguma coisa. Sabemos que pessoas mal-intencionadas existem, ao contrário do que o filme pretende postular. Concordo, o mal está presente na ignorância do pastor que põe um um rifle na mãos de um garoto de oito anos; mas a verdade é que pastores armados no Marrocos não são raridade, que o contrabando de armas é a mais prejudicial das formas de comércio, e que as pessoas envolvidas nele sabem muito bem que essas armas serão usadas para matar seres humanos, não chacais. Qual é, portanto, o propósito de relativizar a maldade humana a ponto de negar-lhe a própria existência? No caso do filme Babel, a intenção parece ser a negação radical do maniqueísmo de Hollywood, e o convite a uma compreensão maior entre o Primeiro Mundo e o Terceiro, cuja miséria e atraso ocasionam os problemas que reverberam no Primeiro. Mas duvido que a constatação de que "a tragédia pode visitar a qualquer um de nós porque todos somos irmãos" faça muito para ajudar a erradicar a especulação financeira sobre a morte alheia praticada por uma família Bush, ou a conquista de poder via terror fundamentalista no estilo de um Osama Bin Laden. A propósito, como Babel retrataria esses dois indivíduos tão nocivos? Como homens bem-intencionados levados pela fatalidade a promover chacinas à sua revelia?