28.6.10

Barack, o filho do Brasil

Em janeiro de 2009, Barack Hussein Obama II tornou-se o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América, país onde o preconceito racial sempre foi mais virulento que em qualquer outro sob o sol.

Empossado no cargo de maior poder executivo do mundo depois de este ter sido ocupado durante oito anos pelo corrupto e ultraconservador George W. Bush — que violou liberdades individuais dentro da terra do Tio Sam e direitos humanos fora dela, ensanguentou o Oriente Médio sob pretextos falsos com propósitos lucrativos escusos, e mergulhou o seu próprio país, o mais rico do planeta, numa das piores recessões econômicas de sua história — o jovem, brilhante e carismático senador negro e descendente de muçulmanos passou a encarnar as esperanças de boa parte de sua nação e do mundo, foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz e se tornou um símbolo de esperança, renovação e vitória das minorias sobre a opressão e o racismo, mas também alvo do ódio de reacionários furibundos, neonazistas e outros insanos defensores da supremacia branca.

Foi então, em meio a este idílio entre o novo presidente democrata norte-americano e o mundo civilizado, que Fernando Jorge, um dos autores mais polêmicos do Brasil, armado com a lente de aumento da observação, perspicácia e erudição esbanjadas em cada um dos seus vinte livros, conseguiu detectar num incidente prosaico na vida da mãe desse grande homem algo que havia escapado a todos os olhares: um vínculo inequívoco entre o Brasil e o nascimento de Obama, permitindo ao biógrafo definitivo de Olavo Bilac, Aleijadinho, Paulo Setúbal e outros brasileiros egrégios, conceber uma teoria absolutamente brilhante e inusitada, segundo a qual o 44º presidente dos Estados Unidos deve sua própria existência à arte e poesia brasileiras — fortemente influenciadas pela cultura negra —, sendo portanto um brasileiro em espírito, se não por nacionalidade.

Com tão revolucionária tese à guisa de fio condutor, este livro originalíssimo discorre não somente a respeito da origem e ascensão de Obama, mas também sobre os abusos sofridos pelos negros nos Estados Unidos e no Brasil, as relações por vezes tensas entre esses dois países, o filme Orfeu Negro, que teria fecundado a mãe branca de Obama, a obra do poeta Vinicius de Moraes, espécie de avô espiritual de Barack, as ameaças que pairam sobre a vida deste como uma espada de Dâmocles — ou mais precisamente da Ku Klux Klan — e diversos outros tópicos prenhes de informações inestimáveis sobre cultura, política, arte e história, brasileiras e estadunidenses.

Segundo a mitologia grega, Orfeu amansava as bestas e encantava os humanos com o som de sua lira. Se o pacificador Barack Obama pode ser visto como uma espécie de Orfeu negro, Fernando Jorge tem também procurado emular o semideus da Trácia no empenho incansável de arrancar seus compatriotas da barbárie, embalando-os com a música de sua prosa erudita e bem-humorada, ou ainda, a exemplo de outro semideus, travando combate aguerrido à hidra da imbecilidade, decepando-lhe as múltiplas cabeças da ignorância e do preconceito, mais titã que semideus, embora sempre inspirado pelas musas.