30.5.07

A beleza da destruição













O filme V de Vingança, de 2005, é um filme diferente dos outros, e como Hollywood raramente muda, essa característica por si só o torna polêmico. Subversivo, na mais ampla acepção da palavra: perplexidade ainda maior, em se tratando da politicamente conservadora Hollywood.

Os produtores são os mesmos da trilogia Matrix, em que os elementos da subversão e da transgressão estão bem presentes. Mas essa trilogia, apesar da ótima história, edifica-se mais sobre efeitos especiais espetaculares, tornando-se um inofensivo e caseiro cinema espetáculo com estética de videogame. V de Vingança tem efeitos também, mas muito menos, e corajosamente apóia-se na consistência da sua mensagem. E sua mensagem de mobilização contra o totalitarismo não poderia ser mais pertinente hoje, em que assistimos com certa inquietação à guinada que o mundo está dando para a extrema direita.

A história, basicamente, é a de um mascarado que, numa Inglaterra totalitarista do futuro, quer explodir o tirânico Parlamento. V incomoda, logo de cara, por confundir o maniqueísmo ao qual os filmes norte-americanos nos acostumaram. Embora se pareça a uma mistura de Zorro e Fantasma da Ópera, o mascarado V procura evocar a figura do subversivo católico Guy Fawkes, que em 1605 tentou sem sucesso explodir o Parlamento britânico, em represália à opressão deste contra os católicos.

Ora, o Parlamento britânico não é atualmente um símbolo de tirania, e a maior parte de nós gostaria de visitá-lo ao invés de destruí-lo. No entanto, a Alemanha tampouco era totalitária pouco antes da ascensão nazista, e a conivência do premiê Blair na criminosa e ilegal invasão do Iraque de 2003 (contra a vontade do povo britânico que o elegeu) demonstra que a Inglaterra, com uma monarquia decadente e um povo deploravelmente burguês, cuja maior diversão é ler tablóides sensacionalistas, não está suficientemente protegida contra governos ditatoriais.

Curiosamente, o filme, que condena o ódio às diferenças (o homossexual Stephen Fry faz o único papel que sabe, o de "veado cool”), foi atacado por ser diferente. Críticos tacanhos e imbecis rotularam-no de apologia ao terrorismo e coisas do tipo, como se ele endossasse atos semelhantes ao do 11 de setembro. Por outro lado, o filme parece aludir a esse atentado de forma mais sutil: um desastre biológico, que dizima boa parte da população britânica, é atribuído pelo governo ultraconservador a minorias dissidentes, quando na verdade foi encomendado pela própria chancelaria do premiê. É impossível não enxergar aí a teoria, assaz plausível, de que o atentado às Torres Gêmeas em Nova York foi “encomendada” pelo governo neofascista de George W. Bush, cuja família, aliás, possui estreitos laços com a de Osama Bin Laden.

O canastrão Hugo Weaving, que interpreta o chato agente Smith na trilogia Matrix, encontra em V o seu melhor papel, pela simples razão de que não podemos ver-lhe as caretas. O rosto deformado do personagem nunca é revelado, pois, como sua aprendiz sentencia no final, “V é você, sou eu, somos todos nós”. Essa aprendiz é interpretada com a usual competência pela gostosinha Natalie Portman, embora, como toda atriz norte-americana, ela seja incapaz de imitar o sotaque britânico de forma satisfatória.

27.5.07

Brutus ou Bruto?

A exibição da excelente série televisiva britânica Roma tem fornecido novos pretextos para que a influência excessiva do idioma inglês cause ainda mais estragos no nosso. À força de ouvir e ler nomes latinos pronunciados na sua forma arcaica, muitos brasileiros são levados a crer que essa forma é mais fiel do que sua forma moderna, ou seja, “Titus Pullo” ao invés de “Tito Pulo”, “Cassius” ao invés de “Cássio”, “Brutus” ao invés de “Bruto”, etc. Mas arcaico não quer dizer, necessariamente, fiel.


Na verdade, essa forma arcaica do latim é adequada apenas para uso dos idiomas não-latinos, como o inglês, pois em todos os idiomas neolatinos, isto é, oriundos do latim, houve uma evolução que precisa ser observada. Assim, o antigo “Claudius” tornou-se, em português e em espanhol, “Cláudio”, em italiano, “Claudio”, e em francês, “Claude”. Alegar que, em português, “Tiberius” e “Tarentum” são formas mais fiéis ao latim original do que “Tibério” e “Tarento”, é o mesmo que alegar que “Philippe da Hespanha” e “pharmacya” são mais fiéis ao português original do que “Filipe da Espanha” e “farmácia”.