5.12.11

O tirano que amamos odiar



16.10.11

Mais uma do professor Leodegário



Um cineasta de visão








1.4.11

Titília e o Demonão

PREFÁCIO

Apenas a maior descoberta de documentos da História do Brasil


No segundo semestre de 2010, por um desses acasos que só podem ser explicados como intervenção divina — sendo a divindade em questão Clio, a musa da História —, nada menos que 94 cartas do imperador Pedro I à sua célebre amante, a marquesa de Santos, escritas entre 1823 e 1827, posteriormente desaparecidas e esquecidas, foram achadas quase por acidente, em um obscuro museu norte-americano, por um pesquisador brasileiro com alma de detetive, faro de sabujo e paciência de Jó.

(A propósito, quantos tesouros brasileiros jazem sepultos não em sítios arqueológicos, mas em coleções, arquivos e bibliotecas, assolados não por ladrões de sarcófagos, maldições e tempestades de areia, e sim por traças, negligência e umidade? Oxalá que a descoberta do Paulo Rezzutti estimule outros pesquisadores a partir em busca desses tutancâmons de papel.)

Se existem mulheres ocasionalmente elevadas à categoria de “namorada do Brasil”, só uma pode ser chamada de “amante do Brasil”: Domitila de Castro Canto e Melo, a jovem divorciada cujo tórrido affair com dom Pedro I constitui o maior romance da nossa história. Todos os países gostam de ter o seu no imaginário nacional, mas a correspondência do imperador brasileiro com a sua amásia paulista contém um elemento pícaro e erótico que chocaria Abelardo e Heloísa e deixaria ruborizados quaisquer casais anteriores a John Lennon e Yoko Ono. Napoleão, quando muito, mencionava a “florestinha negra” de Josefina em carta para a própria; dom Pedro fala da “tua coisa”, referindo-se ao próprio pênis, e das vicissitudes sofridas por este (carta 70). Em outra ocasião (carta 24) diz que naquela noite irá “aos cofres” de Domitila, eufemismo para aquilo mesmo.

Talvez o mais divertido destas missivas sejam os insistentes protestos de fidelidade do mulherengo coroado, tentando acalmar as crises de ciúme da amante, sobretudo por sabermos que ele teve outras mulheres durante seu caso com Domitila, inclusive a própria irmã desta!


Eu já não namoro a ninguém depois que lhe dei minha palavra de honra, e assim não lhe mereço teus ataques (carta 50).


Mas os ciúmes dele por Domitila não são menos intensos, a ponto de o Libertador reclamar do número de carruagens na casa da marquesa, que lhe parece suspeito (carta 61). De outra feita, o monstro de olhos verdes deve tê-lo transtornado a tal ponto, que ele precisou fazer mea culpa depois de cometer algum desatino:


Eu conheço o mal que ontem fiz, e como honrado, e seu verdadeiro amigo, lhe peço perdão. Se o amor que temos um ao outro é verdadeiro, devemos perdoar suspeitas mal fundadas ou, por outra, ciúmes vagos sem fundamento (carta 38).


Esses transbordamentos passionais não deixam de ser temperados com lirismo:


Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para que hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção (carta 9).


Difícil não sorrir ante as queixas dele por Domitila, mal-humorada, não o chamar conforme o tratamento carinhoso da época:


Minha boa senhora: não posso entender a razão de me não responder chamando-me de filho como eu chamo a Va. Ea. e espero que Va. Ea., mitigando alguma coisa seu gênio hoje irritado sem razão, me responda pondo no frontispício da carta Filho... (carta 64)


Quase todas as cartas são assinadas pelo “fiel, desvelado, constante e agradecido amante”, mas o vocativo e a assinatura variam conforme a temperatura da paixão. Quando esta se encontra no auge, ela é “Titília” e “Meu amor”, ele é “O Demonão” ou “Fogo Foguinho”; à medida que vai esfriando, ele passa a ser “O Imperador” e “Pedro”, enquanto ela se torna “Filha” e “Querida Marquesa”.

As epístolas desta edição em sua maioria não vieram datadas, mas o profundo conhecimento histórico do Paulo Rezzutti supre esta falta. “As formas como d. Pedro chama sua amante e como ele assina, somadas a fatos históricos e situações familiares conhecidas mencionadas nas cartas, permitiram, na maioria das vezes, identificar o ano e até a quinzena do mês em que foram escritas.” Além das 94 cartas que ele descobriu na Hispanic Society of America, em Nova Iorque, outras 17 valorizam o final deste volume em forma de anexos, algumas inéditas, outras não, todas transcritas diretamente dos originais, corrigindo inexatidões anteriores.
Entre esses anexos estão algumas das poucas cartas de Domitila a d. Pedro de que temos notícia. O Rei-Soldado destruía várias delas, se não todas, por precaução, pedindo à amante que fizesse o mesmo com as dele (ver o comentário da carta 75). Para felicidade nossa, Domitila não obedeceu ao amante imperial, e graças a essa desobediência temos praticamente todas as cartas que o “Demonão” escreveu para a “Titília”.


Constatar a profunda humanidade do imperador do Brasil é o maior deleite que a leitura de suas cartas à amante proporciona. Muitas são tão prosaicas que poderiam ter sido escritas por qualquer plebeu à sua pequena. Por diversas vezes o soberano pergunta simplesmente como ela tem passado, ora anuncia que irá vê-la à noite, ou que está lhe mandando, junto com a missiva, frutas, flores, goiabada ou “bolos de cutia” (carta 26). Também comenta o tempo todo, pai carinhoso que é, sobre a saúde dos filhos, tanto os legítimos quanto os bastardos.


Desse estilo nada protocolar, totalmente informal e gramaticalmente deficiente do monarca, jorra um manancial de fatos históricos (devidamente identificados e esclarecidos nos comentários), além de descortinar, por meio dos detalhes comezinhos, um rico painel da vida cotidiana e dos costumes do Brasil durante o Primeiro Reinado.

Na Europa as amantes, sobretudo na França, eram quase uma instituição monárquica, visto que reis se casavam por razões de Estado e nunca com quem queriam. Para limitar-nos à monarquia portuguesa, Pedro I de Portugal teve por amásia Inês de Castro — em cuja árvore os genealogistas a soldo do imperador brasileiro quiseram a todo custo enxertar Domitila — e dom José I, bisavô do nosso dom Pedro, frequentava a marquesa de Távora. Discrição, no entanto, era uma condição sine qua non para a existência dessa instituição equívoca, e as hipocrisias, mesmo institucionais, são mais difíceis de ocultar sob a claridade intensa dos trópicos. Para piorar, dom Pedro não era homem dado à discrição, nem tampouco Domitila. Não contente em trazê-la para a corte no Rio de Janeiro e torná-la dama camarista da imperatriz Leopoldina — uma austríaca bondosa, culta e pouco sensual —, ainda fez criar seus filhos com Domitila ao lado dos meios-irmãos legítimos.

Inicialmente d. Leopoldina parece ter feito vista grossa a essa ligação adulterina. O diplomata austríaco Mareschal achou mesmo que a extrema condescendência da consorte imperial, interpretada pelo marido como indiferença, havia provocado a escâncara do romance. O fato é que a coisa se tornou tão ostensiva, que ela não mais pôde fingir ignorar o óbvio, e quando faleceu logo depois, aos 29 anos, não poucos acusaram os dois adúlteros, mas sobretudo a marquesa, “esse monstro de perfídia e iniquidade”, de haver assassinado a gentil imperatriz (ver anexo 12).


Após a proclamação da República, em 1889, o escândalo dessa aventura extraconjugal foi devidamente afiado com distorções para ser usado à guisa de baioneta pelos republicanos na guerra de propaganda contra a monarquia deposta. Pelos arroubos eróticos na sua correspondência privada, dom Pedro I foi rebaixado de imperador a sátiro e entronizado num penico. A marquesa de Santos, já demonizada em vida por não se conformar à sina das mulheres do seu tempo — a saber, a de meros apêndices dos maridos, por piores que fossem —, foi acusada de atuar nos bastidores do poder imperial como uma espécie de madame Pompadour tupiniquim, provocando a queda do ministro José Bonifácio e a dissolução da Assembleia Constituinte, ambas em 1823, e até mesmo a abdicação de dom Pedro, a 7 de abril de 1831!

Esses exageros, simplificações e calúnias têm sido repisadas ao longo do século XX, geralmente por historiadores menos interessados em informar do que em entreter os leitores com detalhes pitorescos e até escatológicos — como a repetição, ad nauseam, de que dom Pedro estava acometido por diarreia ao proclamar a Independência na colina do Ipiranga —, ou por professores de História do Brasil de [de]formação marxista, obstinados em enxovalhar todos os vultos históricos não identificados por eles com “o povo”, essa entidade que tanto idealizam.


É por causa de tais deturpações, causadas por ideologia ou simplesmente pela ignorância ou despreparo, que os amantes da veracidade histórica precisam dar graças a Clio por ter confiado essas 94 cartas inéditas à seriedade, à erudição sólida e aos escrúpulos do Paulo Rezzutti. Não só a transcrição que ele faz das missivas é impecável, como também o são os comentários com que as explica e lhes dá contexto, proporcionando ao leitor uma aula enriquecedora e muitíssimo agradável sobre um dos períodos — e sobre alguns dos personagens — mais fascinantes da nossa História, sem concessões aos que apenas desejam vê-la como registro de fofocas, gracinhas e boatos, nem tampouco à rigidez de um academicismo enfadonho.


As fontes de pesquisa do Paulo são as bibliotecas, os arquivos públicos, os documentos originais, as fontes primárias em suma, deixando as fontes secundárias (livros tardios sobre o tema) na posição que é delas, secundária, ao contrário de certa corrente de autores que tratam a História do Brasil como fast food, via de regra jornalistas sem tempo ou paciência para consultar fontes primárias, e que por causa disso produzem jornalismo histórico ao invés de História.


Mais que qualquer coletânea de cartas de dom Pedro publicadas antes, a da presente edição derruba certos mitos, como o já mencionado de que a marquesa manipulava o soberano. Ora, ele próprio desmente tal visão, desculpando-se por não poder atender ao pedido da amante de nomear certo amigo dela para algum cargo no Exército (carta 29).


Este livro traz outras contribuições importantes ao estudo do Primeiro Reinado, como a suspeita bem fundada de que a última carta de dona Leopoldina, em que a imperatriz agonizante acusa Pedro e Domitila de haverem causado a sua morte, é muito provavelmente uma fabricação dos inimigos do primeiro imperador.


Doravante nenhum estudo abrangente sobre o Libertador do Brasil poderá prescindir do exame destas cartas inéditas, escritas sob o calor das mais humanas emoções, o amor e a paixão, por um dos mais humanos vultos da nossa História.

30.3.11

Apologia aos nerds

Não dá para entender o que tanta gente viu na Rede social, de David Fincher. Três Oscars e 8 indicações! Fala sério! Por um filme escuro, com uma trilha sonora chatinha — oscarizada! —, sobre um punhado de universitários que falam e digitam como metralhadoras coisas incompreensíveis para quem não pertence à tribo nerd! Oscar de roteiro adaptado? Mas se a história é igual à do telefilminho de 1999 Pirates of Silicon Valley, que trata do início da carreira de Steve Jobs e Bill Gates, os funerdadores da Apple e da Microsoft, contribuições, aliás, bem mais relevantes que o Facebook, retratado no filme de Fincher como uma nova imprensa e o pirralho Zuckerberg como um novo Gutenberg. O enredo é o mesmo: adolescentes começam a trabalhar juntos, ganham dinheiro, então o mais nerd e inescrupuloso de todos — mostrado como gênio — passa a perna nos demais, que o processam em milhões de dólares, e todos ficam bilionários no final. Bons tempos aqueles em que genialidade era criar ou inventar algo extraordinário, e não fazer um bilhão aos 19 anos..

Li que o Fincher vai dirigir a versão norte-americana do best-seller sueco Os homens que odiavam as mulheres (essa é a tradução correta, não a da Cia das Letras), de Stieg Larsson. Já de cara achei o elenco hollywoodianamente artificial: a soturna hacker Lisbeth Salander vai ser interpretada por uma bonitinha qualquer chamada Rooney Mara — que provavelmente está dando para o Fincher —, e o jornalista barrigudo Blomkvist vai ser o 007 Daniel Bombado Craig. Típico. Ruben Blades, ator latino, disse que se Hollywood fizesse um filme sobre Bolívar, colocaria um par de costeletas no Schwarzenegger. Eles nunca aprendem.

17.3.11

Lançamento do livro "Titília e o Demonão"

Ao longo de quase dois séculos, ficaram escondidas dos olhos do mundo 94 cartas íntimas do imperador dom Pedro I para a célebre marquesa de Santos, com quem manteve um turbulento caso de amor que constituiu o mais ruidoso escândalo da sua época e o maior romance da nossa história. Agora, transcritos e comentados com erudição ímpar, esses documentos profundamente humanos e de incomparável valor histórico nos mostram um jovem monarca impetuoso e apaixonado, dono de aguçado senso de humor, que escreve coisas libidinosas à amante, tenta acalmar as crises de ciúme dela ao mesmo tempo em que esbraveja, movido pelo mesmo estado emocional, mas também revelam um homem atencioso para com a mulher amada, os desabafos dele, sua preocupação com os problemas brasileiros, seu interesse e carinho pelos filhos, permitindo-nos conhecer de fato a personalidade do líder que promoveu a nossa Independência, ao mesmo tempo em que descortinam, por meio de detalhes prosaicos, um rico painel da vida cotidiana e dos costumes do Brasil durante o Primeiro Reinado.