25.6.07

Nefertiti para crente

Quando o rei Aquenaton, que governou o Egito por mais de uma década do século XIV a.C., foi identificado pela primeira geração de egiptólogos que o estudou, no começo do século XX, como o "primeiro monoteísta da História", os fundamentalistas judeus e cristãos torceram o nariz ante a possibilidade de o Deus Único de seus livros sagrados ter sido invenção de um faraó. Uma cruzada difamatória foi, destarte, mobilizada contra esse personagem, a quem chamaram, e chamam ainda, de louco, tirânico, incestuoso, homossexual. Esta última acusação, absurda como todas as demais, surgiu ante a evidência de um baixo-relevo em que Aquenaton é retratado acariciando amorosamente um co-regente de nome Smenca-Rá. Estudos mais criteriosos revelaram que Smenca-Rá, na verdade, era outro título para a esposa do rei, a famosa Nefertiti. Tal foi o único fato histórico que a escritora Jacqueline Dauxois juntou às mencionadas calúnias em seu romance Nefertite. Feito para agradar aos fundamentalistas, esse livro tolo apresenta cada episódio do Êxodo como verdadeiro, inclusive Moisés boiando num cesto quando bebê e as pragas do Egito, coroando-os com o supremo disparate, sugerido pela autora, de que Nefertiti seria o tal faraó que perseguiu os hebreus por um corredor aberto no mar Vermelho e acabou tragado pelas águas junto com seu exército, graças à divina intercessão de Hollywood. Mais épico que qualquer livro ou filme é a falta de senso crítico de Dauxois, inacreditável mesmo para uma crente.

11.6.07

Livro de mulherzinha

O romance A Casa das Sete Mulheres foi praticamente concebido para virar minissérie da Globo, tendo, de fato, sido publicado pouquíssimo antes que sua adaptação para a TV, em 2003, fosse ao ar. Antes desse livro, a autora gaúcha Leticia Wierzchowski era conhecida apenas pelo pujante conquanto limitado mercado editorial sulino. Segundo a informação oficial, a editora Record, uma das maiores do país, teria se interessado por um outro livro da autora e, ao conhecer seu projeto literário sobre a Revolução Farroupilha, resolveu bancá-lo sem pestanejar. O que se sabe é que a própria editora ofereceu a idéia da adaptação à Globo, que soube enxergar numa história com tantas saias e corpetes um produto feito sob medida para o público feminino consumidor de suas ridículas novelas.

Dito e feito: a minissérie sobre as mulheres que, enclausuradas numa estância no Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XIX, assistem de longe à Guerra dos Farrapos, a mais longa, sangrenta e inútil da nossa História, foi um sucesso, embora o critério para escolha do elenco tenha sido a beleza e não o talento, como sempre se deve esperar do diretor de novelas Jayme Monjardim, um diretor de fotografia sem a mais remota noção de como dirigir atores. O grande mérito dessa adaptação mediana coube à música de Marcus Viana e ao talento dramatúrgico da roteirista Maria Adelaide Amaral, que parece talhada para adaptar livros chatos, como já fizera de forma igualmente bem-sucedida com A Muralha, romance virtualmente ilegível de Dinah Silveira de Queiroz.

Sim, porque o romance de Wierzchowski é chato num grau tão épico quanto o seu tema. Com estilo tosco, diálogos banais e didatismo explícito, A Casa das Sete Mulheres parece um livro feito para ensinar história do Rio Grande do Sul a mocinhas casadouras gaúchas da década de 30. Conflitos praticamente inexistem, não só porque as mulheres da família de Bento Gonçalves, o líder farroupilha, são todas belas, inteligentes, fortes, amam-se e vivem na mais perfeita harmonia (ao contrário das demais famílias da face da Terra), mas também porque não passam de nomes, personagens sem personalidade, sem psicologia, sem particularidades, sem idiossincrasias, tão-somente com descrições físicas infantis, do tipo “linda como uma princesa”, “de cabelos negros que brilhavam ao sol”, “seus olhos verdes cintilavam uma luz que dava mágica ao seu rosto”, ou “usava um vestido amarelo, com peito de rendas, que lhe acentuava a graça”. Um livro para mulherzinhas, sem o talento e a vivacidade das Mulherzinhas de Louisa May Alcott.
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Coube a Adelaide Amaral tecer tramas paralelas, dar dimensão aos personagens e criar conflitos entre eles, para a TV. Os milhares de telespectadores que, regalados com a bela fotografia e a envolvente trilha sonora da minissérie, ou mininovela, da Globo, procuraram no livro a matriz desta, decerto tornaram-se leitores decepcionados, pois, com exceção da pletora de nomes de pessoas e logradouros, nada há em comum entre o romance enfadonho de Wierzchowski e o roteiro melodramático de Amaral.