4.11.08

Para calar a boca dos pseudojornalistas

O relançamento do livro Cale a Boca, Jornalista!, de Fernando Jorge, não poderia ser mais oportuno que agora, quando o desencanto com a democracia, causado pela corrupção do governo petista, tem levado não apenas nosso ignorante e desmemoriado povo, mas até indivíduos supostamente bem informados, como jornalistas, a lançar olhares nostálgicos para a criminosa ditadura militar brasileira, enxergando nela uma era dourada em que “havia ordem e ninguém roubava”.

Um texto inacreditável tem circulado pela internet, da autoria de um tal Paulo Martins, suposto jornalista que escreve ou escrevia para a Gazeta do Paraná. Transcrevo aqui só uns trechos do factóide, pois meu estômago é fraco:


Não lembro de ter sido perseguido, como insistem em afirmar que era o hábito da época aqueles que, por falta de argumento para uma retórica razoável, apelam sem disfarces para o desvirtuado e corrosivo “ouvi dizer”.

Que ditadura era aquela que me permitia votar? Que nunca me proibiu de tomar uma cervejinha num desses bares da vida após as vinte e três horas? Ou num restaurante de beira de estrada?

Que ditadura era aquela que (eu não fumo) nunca proibiu quem quer que seja de fumar? Que ditadura era aquela que nunca usou cartão corporativo para as primeiras damas colocarem até botox no rosto ou para outros roubarem milhões de reais do povo brasileiro?

Vi, sim, perseguições, porém contra elementos de alta periculosidade à época (...)


Minha reação ao ler tamanha sandice foi não ter reação alguma. O que responder a alguém que acha que não houve ditadura militar no Brasil só porque não lhe proibiam que fumasse ou que bebesse cervejinhas? (difícil é entender por que uma ditadura proibiria tais coisas...) O que responder a alguém que acha que não houve perseguições só porque ele não foi perseguido, dessa forma escarnecendo do sofrimento das pessoas que, sim, foram perseguidas, ou tiveram parentes, cônjuges, amigos arbitrariamente presos, torturados, assassinados, apenas por não querer uma ditadura neste país? Que dizer a quem afirma que havia eleições livres durante os governos militares? Valeria a pena mandar um infeliz desses — cujo prenome me envergonho de compartilhar — se informar minimamente sobre as atrocidades cometidas nos anos 70 contra pais de família, operários, profissionais liberais, intelectuais, estudantes, mas principalmente contra seus colegas de profissão? Valeria a pena o incômodo? Decidi que não.

Vale a pena, no entanto, alertar a nova geração contra os pseudojornalistas; pois, que um ignorante acredite que só terroristas perigosos foram perseguidos pelo governo totalitário, é estupidez; mas que divulgue tal estupidez através de um jornal, influenciando outros ignorantes, é pernicioso.

Por isso o livro de Fernando Jorge volta em tão boa hora. Nada como relembrar as censuras, perseguições, encarceramentos, socos, coronhadas, choques elétricos nos testículos, paus-de-arara, tiros e outros argumentos impingidos contra homens de imprensa pelos políticos de uniforme que se autodenominavam majores, coronéis e generais. Relembrar para quê? Para demonstrar à farta que todos os que praticam jornalismo reacionário, a exemplo do pseudofilósofo Olavo de Carvalho — escrevinhador de uma autobiografia intitulada O Imbecil Coletivo —, nada fazem além de lamber botas que eventualmente lhes chutarão a cara.


Cale a Boca, Jornalista! demonstra também quão pouco aprenderam esses jornalistas lambedores de coturnos com a experiência sofrida pelo ícone deles, Carlos Lacerda, o corvídeo que, após crocitar incansavelmente contra quatro presidentes democráticos e constitucionais, ajudando assim a precipitar o nefasto Golpe de 64 na esperança de que seus amigos militares o empoleirassem na Presidência, acabou depenado por eles.

A pesquisa de Fernando Jorge vai além da selvageria fardada, abrangendo os primórdios do ódio ao prelo no Brasil colonial — com destaque para o ínclito José Bonifácio mandando esbordoar o editor do periódico A Malagueta —, sem deixar de fora jornalistas que perseguiram jornalistas, como o vampiro da democracia Carlos Lacerda, que fez apreender edições do Correio da Manhã e outros jornais quando governador da Guanabara, em 1961.

Esta quinta edição de Cale a Boca, Jornalista! traz ainda reflexões pertinentes sobre governo, como a total inutilidade do Senado:

Devemos adotar o unicameralismo, a estruturação do parlamento numa só câmara ou assembléia legislativa. O Senado no Brasil é uma excrescência, um desperdício, macaquice do sistema norte-americano. É um peso morto, um parasita, não vale nada, apenas escorcha o povo. Custou aos cofres públicos, no ano de 1987, mais de três bilhões de cruzados! Sustenta mais de seis mil funcionários! A gráfica do Senado, por exemplo, tem 1.583, e entre eles a colunista social Consuelo Badra. Suas Excelências, os senadores, possuem um mandato de oito anos... Todos mamando nas tetas do Estado. Para quê? Basta uma câmara de deputados. Não há coisa alguma capaz de impedir que esta execute as funções privativas do Senado, como autorizar, por exemplo, a obtenção de empréstimos externos a estados e municípios, ou aprovar a designação de ministros dos tribunais superiores.