12.2.07

Deixaram Ricardo Ramos de fora

Nesta madrugada iniciei a leitura, com sete anos de atraso, da coletânea Os Cem melhores Contos Brasileiros do Século. Século XX, bem-entendido. Já me deliciei com Porque Lulu Bergantim Não Atravessou o Rubicão, de José Cândido de Carvalho, já me comovi com A Nova Dimensão do Escritor Jeffrey Curtain, de Marina Colasanti, e já me decepcionei com A Balada do Falso Messias, de Moacyr Scliar. Foi muito comentada a ausência de Guimarães Rosa, decorrente de problemas de direito autoral. Estranhei, mas não lamentei, a ausência dos auto-intitulados "Trangressores da Geração 90", a saber, Marcelo Mirisola, Nelson de Oliveira e outros. Desses, só André Sant'Anna foi incluído. Mas uma ausência é injustificável: a de Ricardo Ramos, filho de Graciliano e um dos melhores escritores deste país. A antologia, organizada por um acadêmico qualquer, traz nada menos que cinco contos do superestimado Rubem Fonseca, e nenhum do subestimado Ricardo Ramos, autor do romance As Fúrias Invisíveis e do livro de contos Toada para Surdos, fonte da citação a seguir:

O espelho mostra os olhos, na órbita dos óculos, e as bolsas que debaixo deles se arredondam, meias-luas empapuçadas, com estrias, como se em relevo sobre o rosto cavado pesassem, repuxassem os dois globos nadando em baço líquido, o esquerdo mais lacrimoso a um canto, o direito um pouco mais estreito, ou contraído, essa diminuição que não é de perceber-se logo, deve-se firmar a vista para notá-la, o que nem sempre acontece pois a visão também se encolheu, desfocada, daí a sensação de um rosto a fazer mira, de tocaia no instante do tiro, enquanto vêm mais à tona o cinzento dos aros, o opaco das lentes, porque os olhos são por trás e afundam, uma vaga lembrança do que foram mostra o espelho. Mas não o que tanto viram para se cansar tão depressa.