20.9.09

Tensão no paraíso

Numa floresta idílica à beira de um lago na Suécia, um grupo de alemães na casa dos trinta anos, monitores de uma colônia de férias, procura escapar da civilização, esquecer o passado amargo e ignorar o futuro incerto. “A Natureza não faz perguntas”, diz o anúncio enigmático respondido pela desiludida Anja, contratada para trabalhar no acampamento de verão, onde conhece e fica fascinada pela etérea e misteriosa Siri, a qual coloca a sua identidade sexual em jogo, enredando-a numa teia confusa e sedutora que faz as duas mulheres entrarem em conflito com o resto do acampamento. As tensões latentes nesse microcosmo da sociedade moderna acabam eclodindo, e o paraíso estival degenera aos poucos num inferno de tortura psicossocial, violência, loucura e assassinato.

História de amor, ficção criminal ou romance social? Para o jornal alemão Die Welt, As camadas mais frias do ar é “uma obra-prima quase clássica de linguagem, tecida com frases cuja impecabilidade, precisão e profundidade bruxuleantemente tenebrosa, são raramente encontradas, e não apenas na geração atual”. As descrições artísticas da natureza e luz nórdicas constituem um elemento fundamental ao texto e à história, e segundo a revista Literaturen, “é difícil imaginar outro autor contemporâneo capaz de conferir expressão literária à magia da Natureza, aos seus humores, vozes e luzes cambiantes, do modo que essa escritora faz, ou que consiga despertar dúvidas tão radicais sobre a natureza emocional humana em meio à exuberância da Natureza”.

Com observações cuidadosamente lavradas sobre seus personagens — cidadãos de um país inexistente desde o colapso da Alemanha Oriental e do Muro de Berlim em 1989, estrangeiros na sua própria terra — e o meio em que se movimentam — cenários e imagens bucólicas que, como nos quadros impressionistas, não estão simplesmente presentes, mas parecem ser o efeito de uma luz incompreensível e sempre indistinta — a autora põe o dedo na ferida aberta da sociedade alemã contemporânea, expondo as fissuras mal vedadas da reunificação das duas Alemanhas. Acima de tudo, no entanto, ela questiona nossa percepção dos homens, das mulheres, do amor, e das convenções sociais que definem identidade e gênero, neste romance estiloso, de narrativa esculpida com a delicadeza precisa de um camafeu, definido como “um tour de force linguístico” e ao qual já foi até atribuída a criação bem-sucedida de uma nova linguagem para o amor.

Antje Rávic Strubel é a grande revelação da moderna literatura alemã. Nascida em Podstam em 1974, foi livreira em sua cidade natal, estudou literatura e psicologia, e trabalhou como iluminadora num teatro nos EUA. Diversas obras suas foram premiadas, inclusive o romance As camadas mais frias do ar, que no ano de 2007 ganhou os prêmios literários Hermann Hesse e Rheingau.

Segundo o autor norte-americano Bruce Wagner, Antje Rávic Strubel “escreve com o ardor frio de um velho mestre, e pinta com a mão firme de um elegante assassino”.