23.8.08

Opus incertum

Acho que Ibsen não escreveu sua peça Imperador e Galileu para o palco mais do que o foram Macário, de Álvares de Azevedo, ou A Tentação de Santo Antão, de Flaubert, obras mais afins de Platão que de Sófocles. As outras peças do norueguês, tão enxutas e econômicas, pouca semelhança apresentam com Imperador e Galileu, que narra a vida do ícone neopagão Juliano, o Apóstata, ao longo de duas partes, com cinco atos e miríades de personagens cada, o que significa que, se encenada na íntegra, não duraria menos que dez horas.

É compreensível, pois, que qualquer encenação dessa peça seja necessariamente uma amostra. No entanto, desconfio que esta montagem de Sérgio Ferrara esteja mais para opus incertum que para amostra, pois algumas falas que ouvi ontem no teatro do Sesc Santana não me soaram como Ibsen (ainda não terminei de ler a versão francesa da peça, com quase 400 páginas, que baixei da internet), mas antes pareceram pescadas do romance Juliano, de Gore Vidal.

Mesmo que tenham sido, o enxerto pouco ajudou. A encenação de Ferrara tem o único mérito de ser inédita no Brasil. Eu disse “único mérito”, não “mérito único”. A direção é ruim, a cenografia inexistente, os atores medíocres — à exceção do veterano Abraão Farc, que por dois minutos rouba a cena, como monge cego que amaldiçoa o imperador — e, como sempre, tentou-se compensar a total falta de idéia nos figurinos vestindo todo mundo de preto.

Oxalá o Porto Alegre em Cena deste ano me devolva o gosto de ver teatro no Brasil, já que haverá montagens do mundo todo; que me faça gostar de ver teatro brasileiro, isso seria pedir demais.