O humor brasileiro é, em geral, tão
rasteiro e monopolizado por piadas racistas, homofóbicas e escatológicas, que
humor inteligente não é considerado humor aqui. Deve ser por isso que a
produção finlandesa-alemã-australiana Iron
Sky, mesmo com o inepto título brasileiro Deu a louca nos nazis, nos é vendido ora como ficção científica,
ora como filme de ação, ora como drama, ora como “cinema europeu” (isso lá é
gênero?), mas nunca como comédia. No entanto, até o nome do diretor, Timo
Vuorensola, é engraçado, para não falar no pressuposto desse filme independente
já elevado à categoria de cult:
nazistas teriam fugido para o lado escuro da lua em 1945, a bordo de discos
voadores, e lá instalado uma base lunar em forma de suástica, aguardando a hora
da vingança.
Essa hora finalmente chega em 2018,
quando um astronauta negro norte-americano é capturado por nazistas em plena
superfície lunar. É claro que vão se divertir muito mais os que souberem que de
racista e cientista louco todo nazi tinha um pouco. Os nazistas realmente projetaram
discos voadores, e a primeira coisa que estes nazistas lunares fazem é aplicar
injeções alvejantes no infeliz recém-chegado, para deixá-lo mais “ariano”. A
indústria bélica do IV Reich continua de vento em popa, graças a jazidas
inexauríveis de hélio-3 nas entranhas da lua, mas a tecnologia nazista, embora
tão aparatosa e monumental, continua sendo a da década de 40, de modo que o smartphone do negro transformado em
albino consegue o que o computador nazista com uma quadra de largura jamais
conseguiu: fazer funcionar, embora só por uns segundos, uma nave de guerra do
tamanho de uma cidade, chamada Götterdämmerung, ou Crepúsculo dos Deuses
(aliás, tudo no filme ocorre ao som de Wagner, por quem os nazistas tinham
obsessão). Então Klaus Adler, o Schutzstaffel Obergruppenführer, ou segundo em
comando após o Führer Lunar, decide vir à Terra para obter... smartphones.
Mandar um negro para a lua nada mais foi que uma jogada de marketing da presidente dos EUA, candidata à reeleição. O nome dela não é mencionado, mas é evidente que se trata da ultrarreacionária candidata republicana a vice-presidente de 2008, Sarah Palin, cujas gafes inacreditáveis ajudaram o democrata Obama a ser eleito o primeiro presidente negro dos EUA. No filme, este tem seu mote roubado pela presidente caçadora de alces: “Yes, she can”.
(Se o personagem de Sarah Palin
como presidente dos EUA mete mais medo que os nazistas, a mim particularmente
causou um calafrio pela semelhança com Dilma Rousseff. Ambas usam tailleurzinho
vermelho, têm experiência com armas de fogo, concorrem à reeleição, são
completamente estúpidas e atuam como fantoches de forças ainda mais sinistras
que elas mesmas.)
Na presidente Palin, que passa o
tempo se exercitando ao lado de um urso empalhado, temos o principal elemento
do filme de Vuorensola, que é a crítica mordaz ao Partido Republicano. Sua
marqueteira Vivian Wagner (sic), depois de parodiar a famosa cena em que Hitler esbraveja
com seus subordinados no filme A queda
(Der untergang), é seduzida por Adler e o leva à Casa Branca para que este exponha
uma falsa proposta de paz; encantada, Palin incorpora à sua campanha a
propaganda nazista, por sinal tão semelhante à republicana. Acompanhando Adler
veio a deliciosa e bem-intencionada professorinha nazista Renate Richter (cujos
aluninhos loiros têm nomes como Siegfried e Brunhild, e cujo noivado com Adler
foi autorizado pelo Departamento de Pureza Racial do IV Reich), que, ao
encontrar na rua um bando de skinheads,
julga-os bons rapazes, leais ao Reich e a suas mães, pois portam o “símbolo do
amor”, a saber, a suástica. Para ela, a cena em que Charles Chaplin
brinca com o mundo em O grande ditador
é o mais belo curta-metragem já produzido, e só desperta para a realidade sobre
o nazismo após entrar num cinema norte-americano e assistir ao filme inteiro.
Adler mata o Führer Lunar, toma-lhe
o bastão e aciona a mortífera Götterdämmerung usando o tablet roubado de Vivian, a quem aplicou um pé na bunda. Tem início
o ataque dos nazistas à Terra, com discos voadores e zepelins, para absoluto
deleite da presidente dos EUA, pois “todos os presidentes que iniciaram guerras
no primeiro mandato foram reeleitos”, acrescentando que, do contrário, teria precisado
bombardear a Austrália. Não contente com isso, nomeia sua marqueteira chefe de
Estado-Maior, ao que Vivian, ansiosa por se vingar de Adler, embarca na nave SS
George W. Bush e lidera o ataque das potências terrestres à base nazista lunar.
Ordenando bombardeios, ignora os apelos de que há mulheres e crianças na base, sob
a alegação muito familiar de que “os EUA não negociam com terroristas”. As
potências terrestres derrotam os nazistas lunares apenas para iniciar uma nova
guerra entre si pela posse do hélio-3, de que a lua está repleta. Ao término do
filme, vê-se o lado escuro da Terra. Será mero acaso essa voltairiana comédia
ter enfrentado dificuldades wagnerianas de distribuição fora da Europa?