2.12.13

Nazistas na lua

O humor brasileiro é, em geral, tão rasteiro e monopolizado por piadas racistas, homofóbicas e escatológicas, que humor inteligente não é considerado humor aqui. Deve ser por isso que a produção finlandesa-alemã-australiana Iron Sky, mesmo com o inepto título brasileiro Deu a louca nos nazis, nos é vendido ora como ficção científica, ora como filme de ação, ora como drama, ora como “cinema europeu” (isso lá é gênero?), mas nunca como comédia. No entanto, até o nome do diretor, Timo Vuorensola, é engraçado, para não falar no pressuposto desse filme independente já elevado à categoria de cult: nazistas teriam fugido para o lado escuro da lua em 1945, a bordo de discos voadores, e lá instalado uma base lunar em forma de suástica, aguardando a hora da vingança.

Essa hora finalmente chega em 2018, quando um astronauta negro norte-americano é capturado por nazistas em plena superfície lunar. É claro que vão se divertir muito mais os que souberem que de racista e cientista louco todo nazi tinha um pouco. Os nazistas realmente projetaram discos voadores, e a primeira coisa que estes nazistas lunares fazem é aplicar injeções alvejantes no infeliz recém-chegado, para deixá-lo mais “ariano”. A indústria bélica do IV Reich continua de vento em popa, graças a jazidas inexauríveis de hélio-3 nas entranhas da lua, mas a tecnologia nazista, embora tão aparatosa e monumental, continua sendo a da década de 40, de modo que o smartphone do negro transformado em albino consegue o que o computador nazista com uma quadra de largura jamais conseguiu: fazer funcionar, embora só por uns segundos, uma nave de guerra do tamanho de uma cidade, chamada Götterdämmerung, ou Crepúsculo dos Deuses (aliás, tudo no filme ocorre ao som de Wagner, por quem os nazistas tinham obsessão). Então Klaus Adler, o Schutzstaffel Obergruppenführer, ou segundo em comando após o Führer Lunar, decide vir à Terra para obter... smartphones.

Mandar um negro para a lua nada mais foi que uma jogada de marketing da presidente dos EUA, candidata à reeleição. O nome dela não é mencionado, mas é evidente que se trata da ultrarreacionária candidata republicana a vice-presidente de 2008, Sarah Palin, cujas gafes inacreditáveis ajudaram o democrata Obama a ser eleito o primeiro presidente negro dos EUA. No filme, este tem seu mote roubado pela presidente caçadora de alces: “Yes, she can”.

(Se o personagem de Sarah Palin como presidente dos EUA mete mais medo que os nazistas, a mim particularmente causou um calafrio pela semelhança com Dilma Rousseff. Ambas usam tailleurzinho vermelho, têm experiência com armas de fogo, concorrem à reeleição, são completamente estúpidas e atuam como fantoches de forças ainda mais sinistras que elas mesmas.)

Na presidente Palin, que passa o tempo se exercitando ao lado de um urso empalhado, temos o principal elemento do filme de Vuorensola, que é a crítica mordaz ao Partido Republicano. Sua marqueteira Vivian Wagner (sic), depois de parodiar a famosa cena em que Hitler esbraveja com seus subordinados no filme A queda (Der untergang), é seduzida por Adler e o leva à Casa Branca para que este exponha uma falsa proposta de paz; encantada, Palin incorpora à sua campanha a propaganda nazista, por sinal tão semelhante à republicana. Acompanhando Adler veio a deliciosa e bem-intencionada professorinha nazista Renate Richter (cujos aluninhos loiros têm nomes como Siegfried e Brunhild, e cujo noivado com Adler foi autorizado pelo Departamento de Pureza Racial do IV Reich), que, ao encontrar na rua um bando de skinheads, julga-os bons rapazes, leais ao Reich e a suas mães, pois portam o “símbolo do amor”, a saber, a suástica. Para ela, a cena em que Charles Chaplin brinca com o mundo em O grande ditador é o mais belo curta-metragem já produzido, e só desperta para a realidade sobre o nazismo após entrar num cinema norte-americano e assistir ao filme inteiro.



Adler mata o Führer Lunar, toma-lhe o bastão e aciona a mortífera Götterdämmerung usando o tablet roubado de Vivian, a quem aplicou um pé na bunda. Tem início o ataque dos nazistas à Terra, com discos voadores e zepelins, para absoluto deleite da presidente dos EUA, pois “todos os presidentes que iniciaram guerras no primeiro mandato foram reeleitos”, acrescentando que, do contrário, teria precisado bombardear a Austrália. Não contente com isso, nomeia sua marqueteira chefe de Estado-Maior, ao que Vivian, ansiosa por se vingar de Adler, embarca na nave SS George W. Bush e lidera o ataque das potências terrestres à base nazista lunar. Ordenando bombardeios, ignora os apelos de que há mulheres e crianças na base, sob a alegação muito familiar de que “os EUA não negociam com terroristas”. As potências terrestres derrotam os nazistas lunares apenas para iniciar uma nova guerra entre si pela posse do hélio-3, de que a lua está repleta. Ao término do filme, vê-se o lado escuro da Terra. Será mero acaso essa voltairiana comédia ter enfrentado dificuldades wagnerianas de distribuição fora da Europa?

7.6.13

Vou lhe mostrar o medo

Não foi com pequeno orgulho que introduzi Nikolaj Frobenius, um dos maiores escritores noruegueses da atualidade, ao leitor brasileiro. A escolha da sua obra de estreia no Brasil não poderia ser mais instigante: o romance Vou lhe mostrar o medo é nada menos que um suspense psicológico centrado na pessoa do grande poeta e contista norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849), criador do gênero policial na literatura. 

Perpetuamente afligido pela pobreza e angustiado com a enfermidade da sua frágil esposa, o jovem poeta toma conhecimento de que assassinatos macabros, grotescamente semelhantes aos seus contos de terror e mistério, andam sendo cometidos. Quem será o criminoso, e qual o seu objetivo ao imitar dessa forma as histórias do autor de “O corvo”, e “Os assassinatos na rua Morgue”? Ficamos sabendo então que Poe conhece de longa data o monstruoso assassino, mas à polícia nega saber algo sobre ele, com medo de se comprometer. Paralelamente, o escritor é sabotado em sua carreira e nas suas tentativas de ascensão social pelo crítico literário Rufus Griswold, que, como Salieri em relação a Mozart na peça Amadeus, de Peter Schaffer — e no filme de mesmo título dirigido por Milos Forman —, dedica a Poe um misto de profundo ódio e incondicional admiração.

A vida de Poe é cercada de mistérios e circunstâncias inexplicáveis, as quais este romance procura explicar. É sabido, por exemplo, que Poe se mudou para Fordham no auge da sua carreira, mas não sabemos por que foi embora de Nova York, onde começava a fazer grande sucesso com suas obras. O que o teria compelido a deixar a metrópole no momento em que mais lhe convinha permanecer nela? Estaria fugindo de algo... ou de alguém? Outro fato conhecido é que, pouco antes de morrer (de causa desconhecida), ele balbuciava um nome, que ninguém até hoje conseguiu identificar: “Reynolds”. Quem era esse Reynolds?

Publicado em quase todos os países da Europa e traduzido em dez idiomas, este romance premiado, que discute os limites da criação literária e a responsabilidade moral da arte, foi recentemente plagiado por Hollywood, numa fraca adaptação para o cinema intitulada O corvo, estrelando John Cusack no papel de Poe, e inspirou a série de suspense The Following.


Nikolaj Frobenius nasceu em Oslo, Noruega, no ano de 1965. Autor de várias obras premiadas e traduzidas em dezoito idiomas, tornou-se mundialmente famoso como roteirista do filme sueco Insônia, que teve uma adaptação norte-americana em 2002, estrelando Al Pacino e Robin Williams.