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Existem argumentos bastante convincentes a favor e contra a existência dessa controversa personagem, que teria sido a única mulher na História a cingir, em plena Idade das Trevas, a coroa papal. Como o lançamento do livro no Brasil promete reacender essa discussão, não vou me ocupar dela no momento, limitando-me a citar um trecho desse interessante bildungsroman — que aliás figurou por bom tempo, se é que não figura ainda, entre os dez livros preferidos na Alemanha.
No dia da eleição, Joana foi rezar na igrejinha inglesa que havia sido a sua quando chegara a Roma.
Reduzida a cinzas pelo grande incêndio, a igreja fora reconstruída com materiais espoliados de antigos templos e monumentos romanos. Ao ajoelhar-se diante do altar-mor, Joana viu que o pedestal de mármore que o sustentava exibia o inequívoco símbolo da Magna Mater, antiga deusa da terra, adorada por tribos pagãs numa época imemorial. Abaixo do desenho tosco havia uma inscrição em latim: “Neste mármore foi oferecido incenso à Deusa”. Obviamente, quando a grande laje de mármore fora levada para lá, ninguém entendera o símbolo nem a inscrição. Isso não era surpresa alguma, pois muitos clérigos romanos mal sabiam ler, portanto eram incapazes de decifrar a caligrafia antiga e muito menos de compreender-lhe o significado.
A incongruência do altar sagrado e sua base pagã pareceu a Joana um símbolo perfeito de si própria: sacerdote cristão, ela ainda sonhava com os deuses pagãos da sua mãe; homem aos olhos do mundo, era atormentada pelo seu coração secreto de mulher; em busca da fé, vivia dividida entre o desejo de conhecer Deus e o medo de que Ele não existisse. Mente e coração, fé e dúvida, vontade e desejo. Será que as contradições dolorosas da sua natureza algum dia se reconciliariam?