De
passagem pelo Rio de Janeiro em 1909, o célebre escritor francês Anatole
France, surpreendido com os múltiplos louvores à memória de Pedro II,
perguntou: “Mas se o monarca de vocês era assim, por que razão o destronaram?”
A razão foi uma só: para impedir a democratização do Estado e da sociedade
brasileira.
D.
Pedro II, o monarca mais culto de sua época, governou o Brasil com sabedoria,
firmeza e paciência por quase meio século de reinado, ao cabo do qual deixava
um legado invejável: unidade territorial consolidada, escravidão abolida,
sistema eleitoral efetivo, judiciário independente, imprensa livre e corrupção governamental
quase nula.
Só
uma coisa não fez d. Pedro, segundo Mendes Fradique: a barba.
Alguns
creem que as conquistas do Segundo Reinado se deveram mais às qualidades
pessoais de Pedro que à eficácia do regime monárquico. Seja como for, o Exército,
após a Guerra do Paraguai, e a oligarquia cafeeira, após a Abolição da Escravatura,
voltaram-se contra o imperador, cuja imagem era desgastada sem trégua pela
propaganda dos ativistas republicanos.
Parte
desse desgaste se devia precisamente à condição republicana do monarca. O
próprio d. Pedro não acreditava na monarquia; como escreveu em seu diário,
preferiria ser um presidente da República, embora não imaginasse a república
que o Brasil viria a se tornar. Sua corte era considerada triste, como ele
mesmo, e cortes são pontos de encontro entre reis e sua base de sustentação, a
nobreza.
A
outra parte se devia à impopularidade do conde d’Eu, marido da princesa Isabel,
e à condição física do monarca. Precocemente envelhecido para seus 64 anos, d.
Pedro declinava a olhos vistos, assim como o regime. Sua saúde, sempre precária,
tornara-se periclitante. A 13 de maio de 1888, na França, chegou a receber extrema-unção,
tão improvável parecia o seu restabelecimento. Mas este ocorreu, e o imperador,
de volta ao Brasil, tentou reformar o regime e viabilizar o Terceiro Reinado
sob bases sociais mais amplas.
Para
isso, recorreu aos políticos liberais, que defendiam, entre outras coisas, a
ampliação do colégio eleitoral, o voto secreto, a proporcionalidade entre o
número de deputados e a representação provincial parlamentar, casamento civil,
extinção da vitaliciedade dos senadores, etc. O imperador convidou para chefiar
seu novo ministério o abolicionista Afonso Celso de Assis Figueiredo, visconde
de Ouro Preto, que aceitou o desafio de realizar as propostas liberais.
Ao
apresentar o programa à Câmara, o novo primeiro-ministro foi atacado pelos
conservadores, que deram vivas à República. O deputado pernambucano Joaquim Nabuco
lembrou que “o grosso das forças republicanas vem do descontentamento causado
pela Abolição”. Quando um deputado conservador apresentou moção de desconfiança
ao gabinete, esta foi aprovada por setenta e nove votos a vinte. Dom Pedro
então dissolveu o Congresso — medida totalmente legal que lhe facultava o Poder
Moderador, diferente de fechar o Congresso — e convocou novas eleições. Em
agosto, os liberais obtiveram esmagadora vitória, elegendo 120 deputados contra
sete conservadores e apenas dois republicanos. A certeza de que as reformas
seriam aprovadas precipitou a debandada dos conservadores para as hostes
republicanas, sobretudo após a última Fala do Trono, em que d. Pedro mencionou
um projeto de reforma agrária que provocou calafrios nos latifundiários:
Para fortalecer a
imigração e aumentar o trabalho agrícola, importa que seja convertida em lei,
como julgar vossa sabedoria, a proposta para o fim de regularizar a propriedade
territorial e facilitar a aquisição e cultura das terras devolutas. Nessa
ocasião resolvereis sobre a conveniência de conceder ao governo o direito de
desapropriar, por utilidade pública, os terrenos marginais das estradas de
ferro, que não são aproveitados pelos proprietários e podem servir para núcleos
coloniais.
É
de surpreender que d. Pedro II tenha sido deposto?
Não
contente com isso, o Governo Provisório exilou toda a família imperial. Nunca,
nos cinquenta anos do Segundo Reinado, um só brasileiro fora banido.
Extraído do meu livro Guia politicamente incorreto dos presidentes da República, Editora LeYa, 2016.